

A Tugendhat é uma das primeiras casas a reivindicar o estilo moderno. Seu exemplo bem sucedido colaborou na batalha pela aceitação em todo o mundo de uma nova maneira de se fazer arquitetura. Esses são alguns dos motivos que levaram a Unesco, em 2001, a adicioná-la à lista de Patrimônio Cultural da Humanidade. Tendo tal valor histórico, esta obra pode ser facilmente encontrada em livros ou internet. Porém as suas imagens mais difundidas, as simplificações feitas em muitos dos desenhos arquitetônicos publicados e os textos resumidos costumam gerar certos mal entendidos a seu respeito. O presente artigo pretende apresentar esta importante obra e, após, esclarecer os referidos enganos.
A casa
Construída na cidade de Brno, República Tcheca, esta obra de Mies Van der Rohe deveria abrigar em seus 2000m² nada menos que 11 habitantes: além dos cinco membros da família, o casal e seus três filhos, morariam ali os seis empregados (a babá, duas empregadas domésticas, o cozinheiro e o chofer com sua esposa). Para atender ao estilo de vida da família e garantir o seu conforto, um pavimento inteiro, o mais baixo, seria destinado aos equipamentos técnicos como central de aquecimento de água e central de ar-condicionado, sendo alguns deles bastante inovadores para a época.
A casa já é antiga. Foi construída entre 1928 e 1930, uma época em que, por exemplo, não havia televisão. Ao invés de passarem horas sentados diante dela, um dos principais divertimentos da família era dançar. O patriarca, Fritz Tugendhat, também era fotógrafo e cinegrafista amador. Daí a casa ter uma sala de projeções para filmes e uma ampla documentação iconográfica da família durante os anos em que viveu ali. Sendo antiga, a casa incorpora hábitos hoje obsoletos como quartos separados para o casal. Porém, afora esses detalhes, suas linhas não envelheceram. Aliás, os móveis concebidos especialmente para ela são vendidos com sucesso até hoje, podendo ser freqüentemente vistos na mídia.
Segundo Fritz Tugendhat: “Nós procurávamos por luz, ar, clareza e honestidade e, logo após conhecermos Mies Van der Rohe, o contratamos” (2). Em setembro de 1928, ao visitar o terreno, Mies fica encantado. Mesmo considerando as dificuldades impostas por sua abrupta declividade, ele logo percebe que as vistas e as condições de insolação são muito favoráveis. A visual à sudoeste tinha como horizonte o centro da cidade, incluindo monumentos históricos como o castelo Spilberk. Esta orientação poderia receber grandes aberturas para garantir o aquecimento da casa durante o rigoroso inverno, sem problemas de perda de privacidade, pois esta face se voltava para o interior do terreno. Era a oportunidade ideal para realizar o conceito de abrir o espaço interno para o exterior através de uma ampla pele de vidro. Esta pele torna-se uma das características marcantes do projeto.
O edifício é organizado por Mies em três pavimentos, sendo que apenas o mais alto fica visível desde a rua, já que os outros dois encontram-se semi-enterrados. Os diferentes planos e volumes que compõem o edifício são dispostos assimetricamente. Eles podem ser interpretados da seguinte maneira: como um pódio sobre o qual “paira” um plano, a cima do qual repousam duas caixas que são conectadas entre si e com uma terceira caixa à noroeste (mais vertical, abrangendo todos os pavimentos) por meio de um plano (cobertura). Complementando existem dois volumes menores: a sacada adicionada à caixa à noroeste e o volume vertical da chaminé, contrastante com a horizontalidade que predomina na fachada nordeste.
No volume a noroeste, dotado de acessos próprios, estão localizadas as áreas de serviços e os quartos dos empregados. Contrariando uma disposição convencional de usos, a área íntima se localiza no mesmo nível da rua. Uma “caixa” a sudoeste abriga os quartos dos donos da casa, enquanto outra, a leste, abriga os quartos das crianças e da babá. Todos os membros da família têm seus quartos abrindo para um terraço privativo de onde se tem a vista da cidade. Ligando estas duas caixas e protegido por um plano de cobertura, há um “volume virtual” de vidro leitoso onde se localiza o acesso. Na área externa e coberta adjacente, os usuários podem sair do carro protegidos das intempéries. Descendo a escada em leque do hall, encontra-se a área social do lado sudeste e as zonas de serviço a noroeste. No pavimento inferior, que formalmente funciona como pódio, fica a área técnica da casa. Assim, ao localizar a zona dos empregados a noroeste e a zona dos moradores à sudoeste, Mies garante aos últimos as melhores visuais, uma ótima orientação solar e privacidade. O arquiteto também consegue obter uma ampla área de jardim e uma maior distância dos vizinhos implantando o edifício na ponta norte do terreno.
O ambiente social se destaca das outras partes da casa. Ao contrário delas que são mais compartimentadas do que abertas para atender a demandas funcionais, o espaço de convívio expressa com clareza o conceito de planta livre. Sua subdivisão entre área de estar, jantar, biblioteca e ante-sala, ao invés de ser feita com paredes maciças, é sugerida através da disposição dos móveis e dos planos leves de materiais ricos como a madeira ébano e o mármore ônix. Estes ambientes integrados se ampliam para o exterior através das laterais envidraçadas. A vista privilegiada faz do local um verdadeiro belvedere.
Pautando a zona social, existem pilares cujo formato cruciforme e revestimento de aço polido produzem um efeito de desmaterialização da estrutura, quase negando a sua função. Esta estrutura consiste em um esqueleto de aço com lajes nervuradas que adquirem aspecto liso através de enchimento cerâmico. A malha estrutural tem dimensões predominantes de 4,9 x 5,5m. As vedações são em alvenaria revestida de reboco branco, vidro transparente e vidro leitoso. Os caixilhos são em ferro pintado de cor escura e a maioria das esquadrias apresenta bandeira para ventilação de inverno. Dois módulos do pano de vidro que faz o fechamento da área social podem ser inteiramente recolhidos através de um sistema que é acionado eletricamente. Todas as janelas têm sombreamento adequado, através de persianas ou toldos, ambos de enrolar, evitando que a casa esquente no verão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário